O que me motivou a realizar esta pesquisa informal sobre o assunto foi
uma razão pessoal: estava refletindo sobre se deveria ou não dar mesada para
minha filha que acaba de fazer 8 anos e no caso de fazê-lo, como calcular valor
e frequência. Para resolver este dilema, resolvi perguntar para meus amigos que
tem filhos como estes se posicionam, como fazem ou não fazem. À medida que
refletia em como obter estas informações, passei a refletir sobre o porquê que
eu pensava em dar mesada para a Estela e isto me levou e concluir que talvez o
assunto fosse um pouco mais complexo do que um simples “dar, não dar, quanto e
quando”. Assim, assumindo este meu pezinho que não sai da academia, apesar de
hoje trabalhar na iniciativa privada, resolvi montar uma pequena pesquisa sobre
o assunto.
Esta é, claro, uma pesquisa
informal; entretanto, espero que valha para reflexão. Para este fim, fazem-se
necessárias algumas considerações.
Metodologia: Foram coletadas
respostas de 21 mães, pais e responsáveis através de pesquisa voluntária e
anônima montada na plataforma surveymonkey.com postada no Facebook.
Variáveis: Trabalhei com as
seguintes variáveis na coleta de dados: número de filhos do/a respondente,
idade dos mesmos, se a/o respondente dá mesada (ou similar), se não dá mas
pretende, se não dá e não pretende e qualquer exceção. Também busquei
compreender como as pessoas que dão mesada (ou pretendem dar) aos filhos
calculam o valor e a frequência da mesada.
As perguntas não contemplaram o
sexo dos respondentes (homens, mulheres, outros), os tipos de família
(divorciados, casados, e outros arranjos), o nível socioeconômico, escolaridade
e tipo de formação/ atuação profissional dos responsáveis ou qualquer outra
variável que certamente poderia afetar a decisão quanto à mesada.
Apesar de não ter formalmente
obtido dados quanto à situação socioeconômica do/as respondentes, as pessoas
que voluntariamente declararam terem respondido à pesquisa são em sua maioria
indivíduos com pelos menos ensino superior completo (ou cursando) e
pertencentes à classe média de São Paulo. Assim, minha pesquisa tem um viés que
é na verdade muito comum nas pesquisas sobre o tema. Lellis (2007) de fato
afirma em sua dissertação de mestrado que “apesar de este [socialização
econômica da criança] ser um tema vastamente estudado em outros países, no
Brasil as pesquisas são poucas e abrangem apenas a classe média,
desconsiderando a grande participação da pessoa da classe baixa na economia e
na formação de futuros consumidores” (1).
Abaixo, apresento e reflito sobre
algumas das respostas que obtive:
Aproximadamente
52% das mães, pais e responsáveis que responderam à pesquisa, dão ou pretendem
dar mesada (ou similar aos filhos). Uma matéria na revista Crescer (2) fez uma
pesquisa similar e apresentou dados um pouco diferentes; nesta, apenas 13%
responderam que não davam e não pretendiam dar mesada aos filhos. No meu
brevíssimo apanhado, o número foi bem superior, 48%. Aflige me, novamente,
aquele comichão para descobrir quais variáveis teriam influenciado este
resultado e se este seria igual com uma amostragem maior de respondentes.
Na questão referente a idade a
começar a dar mesada, dentre essas pessoas que dão ou dariam, indicaram como
idade para começar a dar mesada, aproximadamente 18% antes dos 6 anos, 9% já
aos 6 anos, 18% entre 8 e 9 anos, e 36% aos 10 ou acima.
Sobre as razões para dar mesada,
todos a favor deram respostas referentes ao que podemos chamar de socialização
econômica da criança (1). Dentro deste conceito, contudo, há desdobramentos:
alguns explicitam a intenção de ensinar a crianças a dar o devido valor às
coisas materiais (ou seja, entender que nada cai do céu), outras entendem que a
mesada pode ser uma forma de ensinar a criança a “merecer” as coisas (ou seja,
seria uma forma de recompensa), e outras ainda demonstram entender a mesada
como ajudar as crianças a se planejarem financeiramente visando uma melhor
adaptação ao mundo em sociedade no que diz respeito ao manejo das finanças. Em
muitos casos, esses desdobramentos coexistem, não sendo um excludente do outro.
Minha pesquisa tinha um viés claro
a favor de buscar mais detalhes sobre as motivações e detalhes referentes ao
ato de dar mesada. Assim, obtive apenas algumas respostas voluntárias que
explicavam o porquê de algumas mães, pais e responsáveis não optarem pela
mesada já que a pesquisa em si não perguntava isso claramente.
Dentre estas, o que fica claro é
que a escolha por não optar pela mesada não significa desinteresse pela
educação financeira dos filhos, mas uma escolha por outras formas de fazê-lo,
como por exemplo, em conversar sobre os gastos das coisas em casa, reflexões
sobre desejos de consumo e uma interessante ideia de se criar um potinho da
economia onde "entram as boas ações, sustentabilidade com a casa e os
desejos de compras, vamos conversando e pesando, escolhendo em conjunto o que
deve ser comprado, a ideia é instalar consumo consciente".
Em sua tese de doutorado,
intitulada “Entre mesadas, cofres e práticas escolares: a constituição de
Pedagogias Financeiras para a Infância”, Oliveira (2009) busca, entre outras
coisas problematizar “os efeitos de uma educação financeira ativada por
experts, argumento que a naturalização da posse de recursos financeiros e a
invisibilidade da imprescindível necessidade dos mesmos na ação de comprar são
elementos do campo discursivo analisado que, ao se articularem com a incitação
ao consumo, produzem uma pedagogia financeira que apaga as diferenças e as
desigualdades sociais existentes” (3). Esta também pode ser uma questão que
atravessa tanto a escolha de dar como não dar mesada e a forma como isto se
apresenta. Em nosso contexto de país, acho que isto não pode passar batido de
uma discussão sobre educação financeira.
Embora uma boa parte dos
especialistas que falam do assunto (na mídia mais acessível ao cidadão médio)
fale da importância da mesada para a educação financeira, João Kepler Braga (4)
(5), por exemplo, que não dá mesada aos filhos, acho justamente o contrário;
que dar mesada não favorece o desenvolvimento da consciência financeira. Sua
proposta; entretando, é diferente de uma proposta mais claramente coletiva e
cooperativa como a do "potinho da economia" citado acima. Ele critica
que dar mesada ensina as crianças a aprenderem a manejar um dinheiro
"garantido" que elas não precisam ganhar, o que ele acha errado.
Assim, ele ensina a seus filhos a serem empreendedores e a não precisarem pedir
dinheiro. Lendo as reportagens referenciadas, é inegável que seus filhos
desenvolveram habilidades impressionantes de empreendedorismo.
Alguns educadores (6) ainda apostam
nas funções pedagógicas de dar mesada. Entre outras coisas, entendem que é uma
forma de dar autonomia aos filhos e ensiná-los a esperar para ter as coisas
(além de valorizarem as coisas e entenderem que não caem do céu).
Eu ainda não me decidi sobre a
mesada da Estela, mas este breve debate e as leituras que ele sucitou, apesar
de terem, aparentemente, aumentado minha dúvida sobre o assunto, enriqueceram
as perguntas que hoje faria sobre o tema. E estou certa que só chegamos a boas
respostas com boas perguntas. Algumas das perguntas e reflexões que após esta
(ludo)pesquisa agora me cercam:
1. Gosto da idéia da mesada como
forma de ensinar a Estela a se planejar, a esperar, a conter desejos e como
forma de dar a ela mais responsabilidade e autonomia no setor dos bens
materiais, mas penso que há outras formas onde já estou ensinando isso e que, a
depeito de dar ou não mesada, são imprescindíveis (os links 2 e 6 falam disso)
e devem ser mantidas ou aderidas. Conversar sobre o que se deve comprar, sobre
a lista do supermercado, sobre um brinquedo que se deseja e se ele cabe ou não
no orçamento familiar, sobre a diferença entre as coisas que são necessárias e as coisas
que são desejadas, o que é possível e o que não é etc. não dependem da aderência
à mesada e também fazem parte da socialização econômica da criança.
2. Eu acho interessante que ela
entenda que dinheiro não é algo com o que se possa sempre contar, mas me
procupo com isso mais dentro da noção do privilégio (que os links 1 e 3 tocam
um pouco) do que em algo que se ela "se esforçar" vai conseguir.
Tenho certeza de que ela conseguiria, mas é importante que ela saiba que
podemos falar de mesada, eu e ela, em casa, porque vivemos uma vida que muitas
pessoas não vivem.
3. Nesta linha, eu não sou contra
desenvolver a capacidade de empreendedorismo, do esforço próprio para
conquistar as coisas, mas prefiro focar em uma lógica mais coletiva e
cooperativa, um fazer (as coisas de casa ou os empreendimentos) porque faz
parte de um grupo e/ou como forma de cooperar para que o grupo todo se
beneficie. Acho que o mundo precisa um pouco mais disso agora. Nessa linha,
acho improvável que, neste momento, eu dê algum valor monetário para o
cumprimento de tarefas ou ajuda em casa.
4. Acho primordial que quando se
fala em educação financeira de crianças entre no assunto o consumismo, a
questão dos excessos e desperdícios. Isso pode ser feito independente da
existência da mesada. Amei a ideia do potinho das economias. Não sei como faria
em casa, talvez essa seja uma falha na minha educação financeira e quiça eu
possa começar por mim! Aliás, como muitas das coisas relativas a nossos filhos,
são grandes oportunidades para fazermos uma revisão sobre nós mesmos.
(4)https://www.folhadelondrina.com.br/folha-mais/dar-ou-nao-dar-mesada--990056.html
(5)https://super.abril.com.br/comportamento/dar-mesada-para-os-filhos-e-um-erro-diz-especialista/
(6)https://economia.uol.com.br/financas-pessoais/noticias/redacao/2013/10/11/14-dicas-de-como-dar-mesada-aos-filhos-e-educa-los-financeiramente.htm
Obrigada por compartilhar as reflexões.
ResponderExcluirHá um episódio que aconteceu aqui em casa e que ajudou minha filha a entender a questão do preço absurdo de um brinquedo. Ela não recebe mesada, mas às sextas feiras eu compro a fichinha de lanche da cantina ao invés de levarmos lanche de casa. Esse foi um pedido dela pois gostaria de ir com os amigos até a cantina de vez em quando.
Em seu aniversário, ela pediu de presente aquela boneca LOL. Expliquei para ela que eu não compraria pois não acho justo o preço que cobram por ela, expliquei tudo que ela poderia comprar ou fazer com o mesmo valor. Ela acabou ganhando um outro presente.
No entanto, uma amiga deu a ela um "vale presente" equivalente a metade do preço de uma LOL. Ela disse que guardaria até ter o dinheiro necessário para completar o valor é comprar a boneca. Perguntei a ela como ela guardaria esse dinheiro já que ela não ganha mesada e a fiz refletir sobre do que ela poderia abrir mão para juntar esse valor. Ela percebeu que poderia abrir mão do lanche da cantina, mas teria que fazê-lo por diversas sextas feiras até chegar no valor em questão. Ela assim o fez. Ao irmos para a loja comprar a tão desejada boneca, ela acabou comentado "nossa, ela realmente custa muito dinheiro". Mas, de qualquer forma, ela decidiu comprar a boneca.
Ao contrário do que eu imaginava, ela não "enjoou" da boneca ou perdeu as minúsculas pecinhas que a acompanham (como costuma fazer com outros brinquedos). Acredito que a espera, o deixar de fazer outra coisa que gostava para atingir o objetivo e a percepção do preço que foi cobrado pela boneca fizeram com que ela a valorizasse mais. Eu na verdade esperava que ela desistisse de comprar o brinquedo, kkk. Mas ainda assim o aprendizado que ocorreu foi válido e mudou a percepção dela em relação ao preço de diversas outras coisas. Agora quando saímos para ir ao mercado, ela comum que ela expresse opinião sobre o preço de diferentes marcas de bolacha, etc...
Que história fantástica, Ju! É isso, acho que a conscientização do valor das coisas, a socialiazação econômica das crianças, perpassa muito mais ações nossas do que simplesmente dar ou não mesada. Eu estou considerando dar mesada, como complemento de outras coisas tão ou mais importantes para que Estela entenda como "lidar com dinheiro" e tudo que o cerca (incluindo aí a a tremenda desigualdade social de nosso país). Obrigada por compartilhar sua história.
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