quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Por que alguns adultos não acreditam nas crianças e por que algumas crianças mentem?

Impressionada com o feito, minha filha (8 anos), que havia acabado de acordar "sozinha" à 1:40 da manhã, me pede: "mãe, conta para a professora senão ela não vai acreditar". "Por que ela não acreditaria em você?, "porque nem sempre as professoras acreditam na gente porque algumas crianças mentem pra chamar atenção, mas eu não!"

Realmente Estela não costuma mentir. Eu lembro de duas mentiras importantes que contei quando tinha próximo da idade dela: uma, que meu pai era o presidente e outra que eu seria a dama de honra num casamento. A primeira não deslanchou, era meio óbvio que meu pai não era o presidente! A segunda foi vergonhosamente desmascarada numa tarde de domingo. Não lembro de ter contado outras mentiras deste tipo depois do episódio.

Diversos especialistas dão explicações para essas mentiras infantis. Como diz a professora do Departamento de Psicologia da Educação da UNESP/Araraquara, Luciene Tognetta "elas (as crianças) supervalorizam a própria imagem e ainda não são capazes de se autorregular" (1). Como diz Isabel Adrados (4), a intenção não é enganar, mas é uma distorção da realidade por outras razões, mas de "boa fé". Outras reportagens interessantes podem ajudar a elucidar a questão para os adultos (2), (3); as hipótese conversam entre si: fantasia, desejos frustrados, insegurança, atenção. Mentir, para as crianças, é quase como a expressão verbal de um sonho.

Mas as crianças não mentem o tempo todo; e alguns adultos mentem também, mas por que parece ser mais fácil acreditar num adulto do que numa criança? Algo do tipo poderia ser dito: 'porque as crianças fantasiam e distorcem a realidade de forma não premeditada e isso faz parte de seu desenvolvimento'. Sim, mas não seria então importante que nós adultos, ao invés descartar de imediato a história de uma criança, tentássemos nos conectar com ela e entender a verdade por trás de sua história a fim de ajuda-la a elaborar isto que a levou a conta-la, mesmo se esta for uma "mentira"?

Este tipo de situação me leva a questionar o quanto eu e meus colegas educadores somos ou não capazes de escutar as crianças para além das medidas protocolares que seguimos para lidar com o comportamento delas. Quando paramos e as ouvimos e as deixamos nos guiar através de sua história?

Referências:

(1) https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2016/08/11/contar-mentiras-e-proprio-da-infancia-saiba-como-lidar.htm
(2) https://super.abril.com.br/comportamento/quando-os-filhos-comecam-a-mentir/
(3) http://leiturinha.com.br/blog/por-que-as-criancas-mentem-confira-10-maneiras-de-lidar-com-isso/
(4) http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/abpa/article/viewFile/16392/15199

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Sobre tolerância ao tempo de aprendizagem do aluno





Resultado de imagem para aprendizagemParece lugar comum dizer que a aprendizagem ocorre em tempos diferentes. Em tese, todos nós da área da educação e outros profissionais que trabalham com questões relacionadas ao desenvolvimento humano sabemos que o desenvolvimento (cognitivo, intelectual e até físico) - embora tenhamos justificadas expectativas sobre marcos importantes que tendem a seguir uma sequência parecida - não é necessariamente linear nem no mesmo ritmo para todos. E no entanto, quando vamos para a escola, colocamos todos dentro do mesmo esquema rígido de aprendizagem e esperamos que todos aprendam no mesmo pique e da mesma forma.



Resultado de imagem para aprendizagemA discussão é velha conhecida e no entanto parece que não saímos do lugar. É claro que, para que a educação em massa seja possível, a gente tem que organizar as coisas de alguma forma, tem que ter alguma ordem. Mas seria esta ordem esta obsessão conteudista que oprime tantos alunos? Nesses últimos anos trabalhando com crianças e jovens que tem dificuldades de aprendizagem, me pego pensando em que lugar colocamos o diferente para nós. Não se trata aqui de negar as dificuldades reais que alguns indivíduos enfrentam para aprender, de negar os importantes sinais do desenvolvimento que nos permitem fazer um diagnóstico precoce e uma intervenção eficaz, mas de algo mais básico.

Quando um aluno com dificuldades de aprendizagem chega para acompanhamento na escola ou na clínica, geralmente este é um aluno que já tem, atrás dele, um tanto de "pendências", de atrasos, de coisas para "correr atrás". A expectativa dos professores e dos pais, muitas vezes, é de que nós - profissionais que vamos trabalhar com este aluno que enfrenta dificuldades - coloquemos a criança ou jovem nos trilhos; que a gente "dê um jeito".

E isto é possível, mas é necessário refletir o que este "nos trilhos" quer dizer. É provavél que, dado a cronicidade da história de fracasso escolar, o sucesso não venha através da nota desejável na próxima prova de ciências, mas no simples fato que este aluno se abra para estudar a matéria, para pensar formas de revisar o material, mas que não tenha um efeito óbvio e de curto prazo como a "nota boa". Pode ser que o aluno que tem um sem número de tarefas acumuladas porque não consegue se organizar, tenha como resultados inicial da intervenção a capacidade de fazer alguns planos sobre sua rotina e isso já seja uma vitória, mas infelizmente ainda tenha alguns trabalhos e lições atrasados.


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A forma como lidamos com isso como educadores faz toda a diferença no sucesso do apoio a um aluno desses se estamos pensando em sucesso como algo mais amplo, como o desenvolvimento de habilidades de pensar e aprender que podem ser replicadas em outros momentos na vida e não apenas como o resultado na prova da geografia.

Agora, para que isso seja possível, a escola precisa resignificar como enxerga aprendizado, como enxerga currículo, como lida com o tempo do aluno e como lidamos com nossa ansiedade de professor de estar no controle de tudo. Isto serve para todos os alunos, mas em especial para aqueles que não se encaixam no óbvio, que não vem pra gente mais facilmente adaptáveis ao jeito que queremos ensinar, mas nos trazem desafios.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Participação dos pais na criação dos filhos

Durante muito tempo, os estudos sobre o desenvolvimento humano focaram na interação da díade mãe-criança. “Até as décadas de 1960 e 1970 os estudos sobre o desenvolvimento praticamente excluíam o pai, responsabilizando a mãe pelo sucesso ou fracasso do desenvolvimento dos filhos” (ref1: p.580). Com a força dos movimentos por igualdade de gênero e a maior inserção dos dois genitores no mercado de trabalho, passou-se a ter a busca por uma “divisão equitativa das atividades domésticas e de cuidados entre o casal, principalmente quando os pais são mais jovens” (ref1: p.581).  

Um estudo de 1978 (ref1: p. 581) havia constatado naquela época que “metade dos homens participantes contribuía muito pouco para o cuidado diário de suas crianças e que a qualidade da interação era pobre”. Como estará hoje a participação de pais jovens, que vivem juntos das mães de seus filhos, nos cuidados cotidianos deles? Esta foi a inspiração para esta breve pesquisa.  

Responderam a uma pesquisa voluntária e anônima através da plataforma surveymonkey.com dez pais. Em metade (5) dos casos, ambos o pai e a mãe trabalham fora. Em um dos casos só a mãe. Não foi feita coleta de dados a respeito do status socioeconômico nem étnico destas famílias, mas como o convite para a pesquisa foi feito através de rede social pessoal, podemos afirmar que neste caso a maioria dos pais são homens brancos da classe média ou acima. 

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(fonte: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2012/08/pais-abrem-mao-da-rotina-de-trabalho-para-cuidar-dos-filhos-no-lugar-da-mae.html)

Quase todos os pais (70%) participa dos cuidados referentes a atividades de higiene dos filhos (troca de fraldas ou monitora ida ao banheiro quando necessário) e de alimentação (preparar a comidadar a comida, limpar a mesa e louça depois da comida) TODOS OS DIAS. Vinte por cento faz as duas tarefas ao menos quase todos os dias.  


Com relação ao vestuário (trocar, verificar se as roupas ainda servem ou se ainda estão em ordem para uso, etc.), em 60 % os pais atuam sempre que precisa, mas em 40% dos casos esta ainda é uma função materna quase que exclusivamente. 


No que diz respeito à saúde (levar ao médico seja para consultas de rotina ou emergência, dar os remédios, ir buscar quando é manipulado, etc.), 60% divide com a companheira, enquanto que para 30% dos pais são eles os responsáveis por esta tarefa. No caso de ter de faltar ao trabalho para cuidar do filho/a, também em 60% dos casos, a divisão é equitativa entre pai e mãe; apenas em um dos casos é só a mãe e em só o pai que falta ao trabalho para ficar com a criança doente.  

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(fonte: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2012/08/pais-abrem-mao-da-rotina-de-trabalho-para-cuidar-dos-filhos-no-lugar-da-mae.html) 


Quase todos os pais (90%contam historinhas para os filhos todos os dias (50%) ou quase todos os dias (40%).  


Sobre os cuidados com a mochila do filho, seja da escola ou no caso de um passeio, em 50% a mãe é a principal responsável pela tarefa, e em 40% a divisão é igualitáriaPara levar a trazer dos lugares (passeios, escola, atividades extracurriculares, etc.), em 40% dos casos é o pai o maior responsável pela tarefa, em 30% mais a mãe e em 30% a divisão é igual entre os dois.  

Olhando para estes números notamos que eles são mais otimistas que os números citados de 40 anos atrás. Neste grupo socioeconômico, que tem pais de idade aproximadamente entre 30 e 50 anos (ou seja, são os “filhos” dos pais pesquisados lá em 1978), há uma tendência em tornar a divisão de tarefas de cuidados com os filhos mais igualitárias entre pai e mãe. O que é ótimo em muitos sentidos.  

Parke (1996 Ref. 1 p. 581) ressalta que o cuidado direto do pai com a criança é uma importante influência indireta na relação conjugal, já que o pai é também uma fonte de suporte emocional e concreto para a mãe. 
É importante salientar, porém, que o pai não pode ser visto apenas como um coadjuvante no cuidado e apoio à mãe, pois deve ser estudado também como um partícipe importante do desenvolvimento, porque influencia e é influenciado em sua interação direta com a criança.” O que parece ser a tendências dos pais que responderam a esta pesquisa.  

(fonte: https://www.ceert.org.br/noticias/crianca-adolescente/8047/pais-cuidam-dos-filhos-dentro-das-empresas) 

Como estes novos pais estão tentando mudar esta dinâmica familiar? 

Existem alguns fatores, apontados por Engle e Breaux (1998 Ref. 1 p. 581), que podem estar associados com a qualidade do investimento do pai em relação aos filhos, como, por exemplo, fazer parte de uma cultura que considere maior igualdade de gêneros; residir com a companheira, mãe da criança; ter uma relação familiar harmoniosa, fazer parte de um sistema econômico com recursos suficientes para sustentar o filho; além de trabalhar de forma cooperativa com sua esposa/companheira para prover ao sustento da família.” 

O norte principal que orienta a divisão de tarefas para estes dez pais é a conversa com a companheira e a percepção do outro. Ou seja, estar atento a quem está mais no pique naquele dia para dividir a tarefa ou entrar em acordos de divisão que contemplem o gosto do parceiro; assim quem gosta de cozinhar cozinha sempre, quem gosta de lavar a louça lava. Uma das falas finais dos respondentes resume bem a ideia: 

“Acreditamos que o segredo é a parceria, compreensão e atenção na rotina/humor do outro, pois ninguém é obrigado a estar super disposto todos os dias, então dividir as tarefas não é nada mais do que cuidar não só das crianças, mas um dos outros, com a mesma atenção para as outras coisas da vida.  

Este movimento, esta mudança de posicionamento com relação aos papéis que homem e mulher exercem enquanto pais e mães só é possível como consequência da mudança do olhar sobre estes papéis onde mulheres estão podendo ocupar lugares antes designados aos homens e homens também estão podendo ocupar lugares antes mais associados a mulheres. Esta flexibilização permite que indivíduos (a despeito de serem pais, mães, homens ou mulheres) possam se realizar mais como sujeitos e, desta forma, o ambiente familiar tende a tornar-se mais saudável para todos os membros da família. 

Contudo é crucial não perder de vista que este breve levantamento foi feito com um modelo de família em um grupo socioeconômico, assim, fica a oportunidade de reflexão sobre como será em outros modelos familiares e grupos de renda. O estudo citado como referência explora a última questão e vale a leitura. 


Referência: 

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Educação sem violência

Image may contain: text A resposta é: NENHUM

Este post, que circula nas redes sociais já há algum tempo, é engraçadinho e responde aos anseios do senso comum, mas não é o que sugere a psicologia moderna. Se fosse assim, se palmada educasse, teríamos adultos incríveis, respeitosos...mas não é o que temos. 

A palmada não ensina nada de bom. Eu sei que tem muita gente que gosta de encher a boca pra falar "eu apanhei e não sou traumatizado por isso" ou "sou uma pessoa melhor". Eu só tenho a dizer a esta pessoa que ela tem sorte, ou falta de memória, ou auto-crítica, ou muito tabu pra admitir a sua realidade.

O uso de agressões físicas e verbais naturalizam o uso da violência como forma de se relacionar com os outros, em especial quando há conflitos e discordâncias. Ensina a criança que o respeito é pela força e não pela razão. Não ensina a pensar no bem comum, que algo tem que ser feito porque é o melhor ou mais justo para todos, mas aprende a ter medo ou a mentir. A se calar ou a buscar subterfúgios.
O que funciona é paciência, consistência e coerência. 

Só que ameaçar dar uma palmada é mais fácil do que ser firme em nossas palavras. É mais fácil dar uma bofetada na filha que não foi tomar banho na hora que foi mandada do que desligar a televisão ou tirar o tablet na primeira vez que houve a desobediência, por exemplo. É mais fácil gritar "vai fazer a lição agora porque eu estou mandando" do que discutir a rotina dos membros da família e como a tarefa naquele horário é melhor (ou negociar o horário!).
Ter filhos é uma (ninguém está dizendo que é a única!) oportunidade de sermos pessoas melhores. É impossível sermos coerentes 100% do tempo. Mas temos que tentar.

Temos que repensar essas atitudes baseadas no senso comum. É preciso refletir. Vivemos numa sociedade de muita injustiça, abuso de poder e opressão; precisamos criar nossas crianças com mais escuta, mais tempo, coerência e consistência. Temos que nos ajudar, apontar menos dedos e estender mais mãos.... eu acho mesmo que "it takes a village to raise a child".

Então, não; nenhum desses "psicólogos" tem que se meter em educação.

Ficam aqui algumas outras referências sobre o assunto:


segunda-feira, 18 de junho de 2018

Mesada: dar ou não dar e outras reflexões sobre o tema


O que me motivou a realizar esta pesquisa informal sobre o assunto foi uma razão pessoal: estava refletindo sobre se deveria ou não dar mesada para minha filha que acaba de fazer 8 anos e no caso de fazê-lo, como calcular valor e frequência. Para resolver este dilema, resolvi perguntar para meus amigos que tem filhos como estes se posicionam, como fazem ou não fazem. À medida que refletia em como obter estas informações, passei a refletir sobre o porquê que eu pensava em dar mesada para a Estela e isto me levou e concluir que talvez o assunto fosse um pouco mais complexo do que um simples “dar, não dar, quanto e quando”. Assim, assumindo este meu pezinho que não sai da academia, apesar de hoje trabalhar na iniciativa privada, resolvi montar uma pequena pesquisa sobre o assunto.

Esta é, claro, uma pesquisa informal; entretanto, espero que valha para reflexão. Para este fim, fazem-se necessárias algumas considerações.

Metodologia: Foram coletadas respostas de 21 mães, pais e responsáveis através de pesquisa voluntária e anônima montada na plataforma surveymonkey.com postada no Facebook.

Variáveis: Trabalhei com as seguintes variáveis na coleta de dados: número de filhos do/a respondente, idade dos mesmos, se a/o respondente dá mesada (ou similar), se não dá mas pretende, se não dá e não pretende e qualquer exceção. Também busquei compreender como as pessoas que dão mesada (ou pretendem dar) aos filhos calculam o valor e a frequência da mesada.

As perguntas não contemplaram o sexo dos respondentes (homens, mulheres, outros), os tipos de família (divorciados, casados, e outros arranjos), o nível socioeconômico, escolaridade e tipo de formação/ atuação profissional dos responsáveis ou qualquer outra variável que certamente poderia afetar a decisão quanto à mesada.

Apesar de não ter formalmente obtido dados quanto à situação socioeconômica do/as respondentes, as pessoas que voluntariamente declararam terem respondido à pesquisa são em sua maioria indivíduos com pelos menos ensino superior completo (ou cursando) e pertencentes à classe média de São Paulo. Assim, minha pesquisa tem um viés que é na verdade muito comum nas pesquisas sobre o tema. Lellis (2007) de fato afirma em sua dissertação de mestrado que “apesar de este [socialização econômica da criança] ser um tema vastamente estudado em outros países, no Brasil as pesquisas são poucas e abrangem apenas a classe média, desconsiderando a grande participação da pessoa da classe baixa na economia e na formação de futuros consumidores” (1).

Abaixo, apresento e reflito sobre algumas das respostas que obtive:

Aproximadamente 52% das mães, pais e responsáveis que responderam à pesquisa, dão ou pretendem dar mesada (ou similar aos filhos). Uma matéria na revista Crescer (2) fez uma pesquisa similar e apresentou dados um pouco diferentes; nesta, apenas 13% responderam que não davam e não pretendiam dar mesada aos filhos. No meu brevíssimo apanhado, o número foi bem superior, 48%. Aflige me, novamente, aquele comichão para descobrir quais variáveis teriam influenciado este resultado e se este seria igual com uma amostragem maior de respondentes.

Na questão referente a idade a começar a dar mesada, dentre essas pessoas que dão ou dariam, indicaram como idade para começar a dar mesada, aproximadamente 18% antes dos 6 anos, 9% já aos 6 anos, 18% entre 8 e 9 anos, e 36% aos 10 ou acima.

Sobre as razões para dar mesada, todos a favor deram respostas referentes ao que podemos chamar de socialização econômica da criança (1). Dentro deste conceito, contudo, há desdobramentos: alguns explicitam a intenção de ensinar a crianças a dar o devido valor às coisas materiais (ou seja, entender que nada cai do céu), outras entendem que a mesada pode ser uma forma de ensinar a criança a “merecer” as coisas (ou seja, seria uma forma de recompensa), e outras ainda demonstram entender a mesada como ajudar as crianças a se planejarem financeiramente visando uma melhor adaptação ao mundo em sociedade no que diz respeito ao manejo das finanças. Em muitos casos, esses desdobramentos coexistem, não sendo um excludente do outro.

Minha pesquisa tinha um viés claro a favor de buscar mais detalhes sobre as motivações e detalhes referentes ao ato de dar mesada. Assim, obtive apenas algumas respostas voluntárias que explicavam o porquê de algumas mães, pais e responsáveis não optarem pela mesada já que a pesquisa em si não perguntava isso claramente.

Dentre estas, o que fica claro é que a escolha por não optar pela mesada não significa desinteresse pela educação financeira dos filhos, mas uma escolha por outras formas de fazê-lo, como por exemplo, em conversar sobre os gastos das coisas em casa, reflexões sobre desejos de consumo e uma interessante ideia de se criar um potinho da economia onde "entram as boas ações, sustentabilidade com a casa e os desejos de compras, vamos conversando e pesando, escolhendo em conjunto o que deve ser comprado, a ideia é instalar consumo consciente".

Em sua tese de doutorado, intitulada “Entre mesadas, cofres e práticas escolares: a constituição de Pedagogias Financeiras para a Infância”, Oliveira (2009) busca, entre outras coisas problematizar “os efeitos de uma educação financeira ativada por experts, argumento que a naturalização da posse de recursos financeiros e a invisibilidade da imprescindível necessidade dos mesmos na ação de comprar são elementos do campo discursivo analisado que, ao se articularem com a incitação ao consumo, produzem uma pedagogia financeira que apaga as diferenças e as desigualdades sociais existentes” (3). Esta também pode ser uma questão que atravessa tanto a escolha de dar como não dar mesada e a forma como isto se apresenta. Em nosso contexto de país, acho que isto não pode passar batido de uma discussão sobre educação financeira.

Embora uma boa parte dos especialistas que falam do assunto (na mídia mais acessível ao cidadão médio) fale da importância da mesada para a educação financeira, João Kepler Braga (4) (5), por exemplo, que não dá mesada aos filhos, acho justamente o contrário; que dar mesada não favorece o desenvolvimento da consciência financeira. Sua proposta; entretando, é diferente de uma proposta mais claramente coletiva e cooperativa como a do "potinho da economia" citado acima. Ele critica que dar mesada ensina as crianças a aprenderem a manejar um dinheiro "garantido" que elas não precisam ganhar, o que ele acha errado. Assim, ele ensina a seus filhos a serem empreendedores e a não precisarem pedir dinheiro. Lendo as reportagens referenciadas, é inegável que seus filhos desenvolveram habilidades impressionantes de empreendedorismo.

Alguns educadores (6) ainda apostam nas funções pedagógicas de dar mesada. Entre outras coisas, entendem que é uma forma de dar autonomia aos filhos e ensiná-los a esperar para ter as coisas (além de valorizarem as coisas e entenderem que não caem do céu).

Eu ainda não me decidi sobre a mesada da Estela, mas este breve debate e as leituras que ele sucitou, apesar de terem, aparentemente, aumentado minha dúvida sobre o assunto, enriqueceram as perguntas que hoje faria sobre o tema. E estou certa que só chegamos a boas respostas com boas perguntas. Algumas das perguntas e reflexões que após esta (ludo)pesquisa agora me cercam:

1. Gosto da idéia da mesada como forma de ensinar a Estela a se planejar, a esperar, a conter desejos e como forma de dar a ela mais responsabilidade e autonomia no setor dos bens materiais, mas penso que há outras formas onde já estou ensinando isso e que, a depeito de dar ou não mesada, são imprescindíveis (os links 2 e 6 falam disso) e devem ser mantidas ou aderidas. Conversar sobre o que se deve comprar, sobre a lista do supermercado, sobre um brinquedo que se deseja e se ele cabe ou não no orçamento familiar, sobre a diferença entre as coisas que são necessárias e as coisas que são desejadas, o que é possível e o que não é etc. não dependem da aderência à mesada e também fazem parte da socialização econômica da criança.

2. Eu acho interessante que ela entenda que dinheiro não é algo com o que se possa sempre contar, mas me procupo com isso mais dentro da noção do privilégio (que os links 1 e 3 tocam um pouco) do que em algo que se ela "se esforçar" vai conseguir. Tenho certeza de que ela conseguiria, mas é importante que ela saiba que podemos falar de mesada, eu e ela, em casa, porque vivemos uma vida que muitas pessoas não vivem.

3. Nesta linha, eu não sou contra desenvolver a capacidade de empreendedorismo, do esforço próprio para conquistar as coisas, mas prefiro focar em uma lógica mais coletiva e cooperativa, um fazer (as coisas de casa ou os empreendimentos) porque faz parte de um grupo e/ou como forma de cooperar para que o grupo todo se beneficie. Acho que o mundo precisa um pouco mais disso agora. Nessa linha, acho improvável que, neste momento, eu dê algum valor monetário para o cumprimento de tarefas ou ajuda em casa. 

4. Acho primordial que quando se fala em educação financeira de crianças entre no assunto o consumismo, a questão dos excessos e desperdícios. Isso pode ser feito independente da existência da mesada. Amei a ideia do potinho das economias. Não sei como faria em casa, talvez essa seja uma falha na minha educação financeira e quiça eu possa começar por mim! Aliás, como muitas das coisas relativas a nossos filhos, são grandes oportunidades para fazermos uma revisão sobre nós mesmos.

(4)https://www.folhadelondrina.com.br/folha-mais/dar-ou-nao-dar-mesada--990056.html
(5)https://super.abril.com.br/comportamento/dar-mesada-para-os-filhos-e-um-erro-diz-especialista/
(6)https://economia.uol.com.br/financas-pessoais/noticias/redacao/2013/10/11/14-dicas-de-como-dar-mesada-aos-filhos-e-educa-los-financeiramente.htm


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Psicólogo não faz uma coisa só! Este post é para divulgar novos serviços que estou prestando. Além do meu trabalho na escola e da minha cons...