segunda-feira, 18 de junho de 2018

Mesada: dar ou não dar e outras reflexões sobre o tema


O que me motivou a realizar esta pesquisa informal sobre o assunto foi uma razão pessoal: estava refletindo sobre se deveria ou não dar mesada para minha filha que acaba de fazer 8 anos e no caso de fazê-lo, como calcular valor e frequência. Para resolver este dilema, resolvi perguntar para meus amigos que tem filhos como estes se posicionam, como fazem ou não fazem. À medida que refletia em como obter estas informações, passei a refletir sobre o porquê que eu pensava em dar mesada para a Estela e isto me levou e concluir que talvez o assunto fosse um pouco mais complexo do que um simples “dar, não dar, quanto e quando”. Assim, assumindo este meu pezinho que não sai da academia, apesar de hoje trabalhar na iniciativa privada, resolvi montar uma pequena pesquisa sobre o assunto.

Esta é, claro, uma pesquisa informal; entretanto, espero que valha para reflexão. Para este fim, fazem-se necessárias algumas considerações.

Metodologia: Foram coletadas respostas de 21 mães, pais e responsáveis através de pesquisa voluntária e anônima montada na plataforma surveymonkey.com postada no Facebook.

Variáveis: Trabalhei com as seguintes variáveis na coleta de dados: número de filhos do/a respondente, idade dos mesmos, se a/o respondente dá mesada (ou similar), se não dá mas pretende, se não dá e não pretende e qualquer exceção. Também busquei compreender como as pessoas que dão mesada (ou pretendem dar) aos filhos calculam o valor e a frequência da mesada.

As perguntas não contemplaram o sexo dos respondentes (homens, mulheres, outros), os tipos de família (divorciados, casados, e outros arranjos), o nível socioeconômico, escolaridade e tipo de formação/ atuação profissional dos responsáveis ou qualquer outra variável que certamente poderia afetar a decisão quanto à mesada.

Apesar de não ter formalmente obtido dados quanto à situação socioeconômica do/as respondentes, as pessoas que voluntariamente declararam terem respondido à pesquisa são em sua maioria indivíduos com pelos menos ensino superior completo (ou cursando) e pertencentes à classe média de São Paulo. Assim, minha pesquisa tem um viés que é na verdade muito comum nas pesquisas sobre o tema. Lellis (2007) de fato afirma em sua dissertação de mestrado que “apesar de este [socialização econômica da criança] ser um tema vastamente estudado em outros países, no Brasil as pesquisas são poucas e abrangem apenas a classe média, desconsiderando a grande participação da pessoa da classe baixa na economia e na formação de futuros consumidores” (1).

Abaixo, apresento e reflito sobre algumas das respostas que obtive:

Aproximadamente 52% das mães, pais e responsáveis que responderam à pesquisa, dão ou pretendem dar mesada (ou similar aos filhos). Uma matéria na revista Crescer (2) fez uma pesquisa similar e apresentou dados um pouco diferentes; nesta, apenas 13% responderam que não davam e não pretendiam dar mesada aos filhos. No meu brevíssimo apanhado, o número foi bem superior, 48%. Aflige me, novamente, aquele comichão para descobrir quais variáveis teriam influenciado este resultado e se este seria igual com uma amostragem maior de respondentes.

Na questão referente a idade a começar a dar mesada, dentre essas pessoas que dão ou dariam, indicaram como idade para começar a dar mesada, aproximadamente 18% antes dos 6 anos, 9% já aos 6 anos, 18% entre 8 e 9 anos, e 36% aos 10 ou acima.

Sobre as razões para dar mesada, todos a favor deram respostas referentes ao que podemos chamar de socialização econômica da criança (1). Dentro deste conceito, contudo, há desdobramentos: alguns explicitam a intenção de ensinar a crianças a dar o devido valor às coisas materiais (ou seja, entender que nada cai do céu), outras entendem que a mesada pode ser uma forma de ensinar a criança a “merecer” as coisas (ou seja, seria uma forma de recompensa), e outras ainda demonstram entender a mesada como ajudar as crianças a se planejarem financeiramente visando uma melhor adaptação ao mundo em sociedade no que diz respeito ao manejo das finanças. Em muitos casos, esses desdobramentos coexistem, não sendo um excludente do outro.

Minha pesquisa tinha um viés claro a favor de buscar mais detalhes sobre as motivações e detalhes referentes ao ato de dar mesada. Assim, obtive apenas algumas respostas voluntárias que explicavam o porquê de algumas mães, pais e responsáveis não optarem pela mesada já que a pesquisa em si não perguntava isso claramente.

Dentre estas, o que fica claro é que a escolha por não optar pela mesada não significa desinteresse pela educação financeira dos filhos, mas uma escolha por outras formas de fazê-lo, como por exemplo, em conversar sobre os gastos das coisas em casa, reflexões sobre desejos de consumo e uma interessante ideia de se criar um potinho da economia onde "entram as boas ações, sustentabilidade com a casa e os desejos de compras, vamos conversando e pesando, escolhendo em conjunto o que deve ser comprado, a ideia é instalar consumo consciente".

Em sua tese de doutorado, intitulada “Entre mesadas, cofres e práticas escolares: a constituição de Pedagogias Financeiras para a Infância”, Oliveira (2009) busca, entre outras coisas problematizar “os efeitos de uma educação financeira ativada por experts, argumento que a naturalização da posse de recursos financeiros e a invisibilidade da imprescindível necessidade dos mesmos na ação de comprar são elementos do campo discursivo analisado que, ao se articularem com a incitação ao consumo, produzem uma pedagogia financeira que apaga as diferenças e as desigualdades sociais existentes” (3). Esta também pode ser uma questão que atravessa tanto a escolha de dar como não dar mesada e a forma como isto se apresenta. Em nosso contexto de país, acho que isto não pode passar batido de uma discussão sobre educação financeira.

Embora uma boa parte dos especialistas que falam do assunto (na mídia mais acessível ao cidadão médio) fale da importância da mesada para a educação financeira, João Kepler Braga (4) (5), por exemplo, que não dá mesada aos filhos, acho justamente o contrário; que dar mesada não favorece o desenvolvimento da consciência financeira. Sua proposta; entretando, é diferente de uma proposta mais claramente coletiva e cooperativa como a do "potinho da economia" citado acima. Ele critica que dar mesada ensina as crianças a aprenderem a manejar um dinheiro "garantido" que elas não precisam ganhar, o que ele acha errado. Assim, ele ensina a seus filhos a serem empreendedores e a não precisarem pedir dinheiro. Lendo as reportagens referenciadas, é inegável que seus filhos desenvolveram habilidades impressionantes de empreendedorismo.

Alguns educadores (6) ainda apostam nas funções pedagógicas de dar mesada. Entre outras coisas, entendem que é uma forma de dar autonomia aos filhos e ensiná-los a esperar para ter as coisas (além de valorizarem as coisas e entenderem que não caem do céu).

Eu ainda não me decidi sobre a mesada da Estela, mas este breve debate e as leituras que ele sucitou, apesar de terem, aparentemente, aumentado minha dúvida sobre o assunto, enriqueceram as perguntas que hoje faria sobre o tema. E estou certa que só chegamos a boas respostas com boas perguntas. Algumas das perguntas e reflexões que após esta (ludo)pesquisa agora me cercam:

1. Gosto da idéia da mesada como forma de ensinar a Estela a se planejar, a esperar, a conter desejos e como forma de dar a ela mais responsabilidade e autonomia no setor dos bens materiais, mas penso que há outras formas onde já estou ensinando isso e que, a depeito de dar ou não mesada, são imprescindíveis (os links 2 e 6 falam disso) e devem ser mantidas ou aderidas. Conversar sobre o que se deve comprar, sobre a lista do supermercado, sobre um brinquedo que se deseja e se ele cabe ou não no orçamento familiar, sobre a diferença entre as coisas que são necessárias e as coisas que são desejadas, o que é possível e o que não é etc. não dependem da aderência à mesada e também fazem parte da socialização econômica da criança.

2. Eu acho interessante que ela entenda que dinheiro não é algo com o que se possa sempre contar, mas me procupo com isso mais dentro da noção do privilégio (que os links 1 e 3 tocam um pouco) do que em algo que se ela "se esforçar" vai conseguir. Tenho certeza de que ela conseguiria, mas é importante que ela saiba que podemos falar de mesada, eu e ela, em casa, porque vivemos uma vida que muitas pessoas não vivem.

3. Nesta linha, eu não sou contra desenvolver a capacidade de empreendedorismo, do esforço próprio para conquistar as coisas, mas prefiro focar em uma lógica mais coletiva e cooperativa, um fazer (as coisas de casa ou os empreendimentos) porque faz parte de um grupo e/ou como forma de cooperar para que o grupo todo se beneficie. Acho que o mundo precisa um pouco mais disso agora. Nessa linha, acho improvável que, neste momento, eu dê algum valor monetário para o cumprimento de tarefas ou ajuda em casa. 

4. Acho primordial que quando se fala em educação financeira de crianças entre no assunto o consumismo, a questão dos excessos e desperdícios. Isso pode ser feito independente da existência da mesada. Amei a ideia do potinho das economias. Não sei como faria em casa, talvez essa seja uma falha na minha educação financeira e quiça eu possa começar por mim! Aliás, como muitas das coisas relativas a nossos filhos, são grandes oportunidades para fazermos uma revisão sobre nós mesmos.

(4)https://www.folhadelondrina.com.br/folha-mais/dar-ou-nao-dar-mesada--990056.html
(5)https://super.abril.com.br/comportamento/dar-mesada-para-os-filhos-e-um-erro-diz-especialista/
(6)https://economia.uol.com.br/financas-pessoais/noticias/redacao/2013/10/11/14-dicas-de-como-dar-mesada-aos-filhos-e-educa-los-financeiramente.htm


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